quinta-feira, 7 de junho de 2012

Morre joão


Morreu hoje aos 61 anos joão. O sobrenome dele não será divulgado porque não importa, não vai diferenciá-lo da multidão de joões que existem por aí. Ele é só mais um brasileiro comum. Não era nenhuma estrela pop que só tem qualidades, nem um político corrupto que só tem defeitos. Era um homem contraditório, que tinha o bom e o mau ao mesmo tempo. Era o bom pai e o mau funcionário. O bom pagador e o mau marido. Sim, joão era o bom pai e o mau marido ao mesmo tempo, algo que parece inconcebível nos noticiários de estereótipos que assistimos.

joão morreu em paz, dormindo. Não levou uma porção de tiros enquanto se escondia da polícia. joão não era um grande astro da guitarra que morreu por estupidez, ou melhor, por overdose. joão não era casado com uma princesa e herdeiro do trono real. Nem foi um grande presidente que tomou medidas importantes para acabar com a opressão do seu país. Mas também não foi um dos oprimidos, em situação deplorável, cujas fotos rendem royalties até hoje a seus autores.

joão morreu normal e anônimo, como morrem 99,9% das pessoas, as que não ocupam as páginas, telas e ondas dos noticiários, mas que compõem a massa de seres humanos que povoa o mundo, cada um com sua história pessoal, individual e única.

Quem sabe virasse um case de matéria, como Paulo Almeida virou. Mas joão não tinha nenhum sobrinho cujo amigo era jornalista, como Paulo Almeida tinha e por isso virou case, ganhou até sobrenome e direito a letra inicial maiúscula. joão era apenas o vizinho de Almeida. Mas joão já esteve nos jornais. Ele estava lá na tela quando o apresentador anunciou a redução no número de desempregados. joão estava num daqueles números.

joão era normal, sem graça e sem sal, herói do neto a quem dava um bombom Sonho de Valsa (não era Kopenhagen, mas pelo menos não era um simples Babaloo) em todas as visitas. Ah, joão, se fosse relatado tudo o que você viveu! Cada alegria, cada tristeza, o medo do desemprego, a violência com que tratou a mulher na juventude, o remorso rondando a mente na hora de dormir, as vezes em que prometeu a si mesmo que não beberia mais, os convites dos amigos para ir ao bar, os negócios que você fez, os ônibus que você tomou, o trânsito que enfrentou, a comida que você preparou quando ela estava doente. Ah, joão, tanta coisa comum. Nada disso ia entrar nos jornais. Nada disso dá notícia.

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Publicado originalmente em http://talestomaz.blogspot.com no dia 11 de julho de 2008.

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